5.3.06

Psiquiatra

Da janelinha sem graça da sala de espera do consultório avisto um homem. Branco, barbudo, de forma redonda e achatada. Ao julgar pelo terno, deve ser alguém importante. E importante significa ganhar bem. Na calçada oposta duas meninas uniformizadas conversando. Mesmo aqui de longe posso ouvir suas risadas. Rua com movimento intenso de carros. Pessoas indo, vindo, só não sei de onde e nem para onde. Um ônibus cheio de pessoas que eu não sei quem são. Posso tentar desvendar a vida das pessoas que vejo através da janela, mas nunca vou saber se acertei. Mesmo acreditando que todos estamos apenas a seis pessoas das outras, tenho preguiça e medo de descobrir. Prefiro dar a cor que desejo a vida. Pensar que aquele homem bem vestido é infeliz e sozinho, e vive para o trabalho. Prefiro pensar que as meninas conversando estão falando sobre rapazes, e que logo estarão magoadas pelos mesmos. Isso porque vemos o que queremos ver. Se eu não enxergasse o mundo desta maneira triste, poderia achar que o problema sou eu. E isso seria muito mais difícil.

1.10.05

Pseudo tentativa de suicídio

Porque o sol nasce. A claridade me incomoda. Então abro os olhos e deixo o novo dia entrar pela janela. Como se não tivesse outra opção. Embora a tenha. A vida é como uma prova de múltipla escolha, com todas as alternativas pedindo para serem escolhidas. Então me debruço na janela escancarada e torço para que um vento forte me derrube. Pois a coragem de escolher outra alternativa ainda não é suficiente. Isso implica que eu deva espera-la chegar? Deito no chão do quarto. As paredes azuis já não são mais “tão legais”. E fico ali, analisando a rachadura no teto, esperando que algo pesado caia lá em cima e faça tudo desmoronar sobre meu corpo. A televisão na sala incomoda minha concentração na rachadura. Agora já não imagino toda a casa desabando sobre mim e nem meu corpo sendo derrubado pelo vento. Agora penso no sentido da música do filme. E medito sem meditar. Fecho os olhos e tento imaginar o que se passa no filme para terem escolhido aquela música como parte da trilha sonora. E só pode ser um filme de amor. Daqueles bem melosos, que nos fazem chorar de tanta inveja. “Como eu queria ser amada como aquela menina” e suspira. A visão da rachadura volta a predominar. Ainda imagino tudo caindo. Lá vem o vento me convidando a janela, posso senti-lo. Meu corpo é pesado demais para ser levado. Ainda posso ouvir a música na televisão da sala. Ainda consigo visualizar o tamanho da rachadura. Ainda consigo imaginar meu corpo no chão lá embaixo. Mas se eu cair não existirá mais a música, a inveja da mocinha do filme romântico, a rachadura no teto e nem o vento a me convidar. Então não faz o menor sentido. Sento na cama e espero anoitecer. Acomodo-me e viso dormir. Quem sabe o dia que invadirá meu quarto pela manhã me traga outras opções! Quem sabe eu nem acorde mais.

7.9.05

Tentando parecer o que não é para não precisar justificar o que de fato tem sido

Fotografia. Ajeite o cabelo. Abrace quem estiver ao seu lado. Mostre-se feliz. Xis.

4.9.05

Clichê!

Era assim. Ele deveria aceitar. Não tinha escolhas. Como quando alguém cai em um precipício e não tem opção. Mas na hora ninguém pensa nisso. Só grita. Como se fosse possível alguém ajudar. Ou tenta se segurar em algo. Como se os filmes mostrassem somente a verdade. É fato que as pessoas não curtem aceitar as opções. Mesmo o fato de não aceitá-las ser uma opção, elas insistem em afirmar que não aceitam. A vida é assim, de fato. Mas se "toda regra tem uma exceção", qual seria a exceção desta regra? Embora ele insistisse em dizer que sim, ele não aceitava. Embora colocasse uma música das mais tristes para tocar no rádio. Daquelas que o faziam chorar. Embora fosse uma música estrangeira e ele não soubesse o que dizia. Ele chorava. E chorava. Chorar era a opção. E essa opção ele aceitava bem. E se olhava no espelho. E não gostava do que via. E dizia a si que não tinha mais jeito. Que deveria aceitar. E achava que aceitava. Mas na manhã seguinte, uma nova esperança. E o dia anterior acabava sendo esquecido. E o choro, a sensação de vazio, e a dor no peito, e a vontade de morrer e matar - "Será que é assim que se formam os suicidas ou homicidas?". E tudo era esquecido. É incrível como um ato insignificante pode parecer algo monstruosamente grande e significativo. Isso sem exageros. Talvez tenham razão aqueles que dizem que "hipótese é uma coisa que não é, mas a gente faz de conta que é, pra ver como seria se ela fosse". Vai ver nosso subconsciente toma determinadas ações ou atitudes de maneira contrária ao que de fato elas são só porque queria que elas fossem. Mas a verdade sempre aparece. As pessoas costumam dizer por aí que "a mentira tem pernas curtas". E parece ser verdade. E ele acredita nessa verdade. Mas quando ela aparece, o mundo desaba. E vem a música. E vem o choro. E vem a tentativa de aceitação. E os consolos amigos que, na maioria das vezes não servem de nada. Mas "o que vale é a intenção". "Todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente", como já dizia Shakespeare. E Shakespeare parece ter razão. E ele vive nessa. Aceita não aceitando o fato que não aceitou aceitar. E a vida prossegue. E amanhã é um novo dia. Mas hoje ele está certo que aceitou. Mas quem sabe amanhã algo de bom aconteça?! Sabe como é, né?! "A esperança é a última que morre".

21.8.05

O vestido azul

Teve um pesadelo. Assustou-se. O relógio perto da cama marcava onze horas e vinte e três minutos. Muito cedo para se levantar. Deixou seu corpo desfalecer novamente, suplicando o sono. Mas o sono não voltou. Será que o pesadelo o espantou? Como em um salto, jogou-se da cama e andou até o banheiro. "Tenho que trocar a cortina de plástico". Dirigiu-se até a cozinha e avistou a louça de dois dias atrás que ainda a aguardava. Olhou, analisou e deixou para lá. Voltou ao quarto. Caminhou até sua penteadeira entupida de óleo de peroba. Puxou a cadeira. E sentou. Olhou-se no espelho por alguns momentos. Lápis preto, delineador, batom marron e blush. Sentiu-se outra pessoa. Ficou de pé. Virou-se e tentou corrigir sua postura a partir da visão no espelho. E não conseguia. Desistiu. Reparou teias de aranha em cima do guarda-roupa branco e descascado. Refletiu uns segundos sobre isso. Abriu o guarda-roupa e avistou um traje azul. Longo, com um corte lateral indecente, e com pedrinhas -que imitavam- brilhante nas pontas. Vestiu-o. Sentiu-se bonita. Caminhou até a sala-de-estar afim de ligar o aparelho de som. Ouviu música. Os pés começaram lentamente a bater ao chão, tentando acompanhar o ritmo da balada. O restante do corpo sentiu inveja e dançou junto. Girou. Abaixou. Pulou. E sentiu-se em uma festa. As pessoas dançando à sua volta. Elogios sobre sua beleza não tinham fim. E ela ria. E dançava. E ria. Mas a música acabou. Dando-se conta de que tudo foi pura fantasia deixou-se cair ao chão. E por lá ficou alguns instantes. Os olhos procuraram o relógio de madeira no canto, próximo à televisão que não funcionava e encontrou. Doze horas e quinze minutos. Ergueu-se com sacrifício. Ferozmente arrancou o vestido e pôs-se a chorar. Doze horas e trinta e dois minutos. Acalmou-se, caminhou em direção a cozinha e começou a lavar a louça. "Tenho que trocar a cortina de plástico".